No dia a dia da nossa empresa, e particularmente nos cursos que ministramos, usamos a expressão “estratégia coração de mãe”. Como o nome sugere, estratégias desse tipo são acolhedoras de todos os programas, projetos ou propostas de ação apresentados às altas administrações, desde que se demonstre alguma virtuosidade da iniciativa.
Antes de prosseguir, faço a ressalva de que não tenho a intenção de desqualificar o papel das mães reais. Aqui, o meu objetivo é simplesmente resgatar a afirmação comum de que o coração de mãe é tão grande que "cabe tudo". Aliás, essa percepção é mesmo injusta com as mães que, buscando acertar na dose de frustração imposta, procuram promover um desenvolvimento humano mais saudável para seus filhos.
Tendo em conta a ressalva que acabei da fazer, e no contexto específico dos empreendimentos, não é preciso pensar muito para entender que uma grande receptividade gerencial não é boa. Entretanto, o fato é que estratégias “coração de mãe” estão por aí e aos montes. Basicamente, essas estratégias estão associadas a planos que muitas vezes não estão escritos, mas que também carecem de robustez, objetividade e clareza ou que, ainda, são demasiadamente amplos em seus escopos.
O plano estratégico
É óbvio que um plano deve comunicar uma estratégia. No âmbito das altas administrações, as estratégias expressam as atitudes institucionais e as concepções gerais de atuação das organizações. Consequentemente, espera-se que ocorram arranjos qualificados de comportamentos, de modo a se alcançar objetivos e metas razoáveis. Esses arranjos culminam na elaboração e execução de programas e projetos estratégicos.
Planos deficientes deixam de oferecer essa orientação geral, o que prejudica a definição de prioridades e a seleção das alternativas de ação que estão em jogo. Aliás, aprendi há tempos que, além de assumir riscos, é preciso saber dizer não, para se estar apto a desempenhar a função de decisor estratégico.
Esse “não” estratégico significa descartar as propostas ou as linhas de ação cujos efeitos teriam menor impacto no alcance dos objetivos traçados, seja em termos de criticidade, perenidade, amplitude ou fecundidade. Nesses casos, estabelecer os critérios objetivos de aprovação das propostas e definir as suas formas e medidas de avaliação são um desafio importante. Quando esse desafio não é superado, a porta da estratégia coração de mãe fica aberta.

A pressão por resultados
Nas estratégias coração de mãe, os programas ou projetos que venham a ser apresentados primeiro tendem a ser aprovados e implementados, consumindo recursos normalmente escassos da entidade e inviabilizando iniciativas posteriores, embora estas iniciativas possam estar mais eixadas com a realidade objetiva, bem como com os propósitos e com a visão de futuro da organização. Por vezes, isso ocorre em entidades cujas equipes de projeto apresentam desequilíbrios de desempenho ou grandes variações de complexidade nos seus respectivos desafios. Assim, projetos mais simples e de elaboração menos demorada tendem a ser acolhidos quase prontamente, até mesmo por conta da pressão por resultados em curto prazo.
Do privado ao público
Estratégias coração de mãe ocorrem em empresas privadas, especialmente naquelas em que o empreendedor é bastante influenciável ou tem poucas convicção e clareza acerca do propósito, dos valores e dos princípios da sua empresa. Além disso, não desconsidero os casos em que as equipes de planejamento apresentam déficits importantes em competências técnicas. Nesse sentido, identifico interseções entre a estratégia coração de mãe com a compreensão de Mintzberg acerca das estratégias pretendida, deliberada, emergente e realizada.
Decerto que as empresas que buscam o lucro são suscetíveis ao fenômeno "coração de mãe", entretanto enfatizo que governos e entidades sem fins lucrativos e que representam segmentos sociais ou econômicos são terrenos bastante férteis para o surgimento das estratégias coração de mãe. Em tese, isso ocorre por três motivos principais:
- Propostas ou planos de governo ou de gestão podem ser formulados apenas para se conquistar votos nos períodos eleitorais e acabam esquecidos nas gavetas dos gestores de plantão.
- Há percepções de que as leis e outros regulamentos, como estatutos e regimentos internos, são capazes de regular os rumos das organizações. Embora contenham orientações para o comportamento organizacional, esses instrumentos não têm a mesma função e não preenchem as lacunas de um plano estratégico deficiente.
- Algumas entidades são particularmente vulneráveis ao que se pode chamar de “captura institucional”, um fenômeno analisado por pensadores como Robert Michels, George Stigler e, em certa medida, Thomas Sowell. A captura institucional ocorre quando dirigentes escolhidos comprometem-se com interesses específicos ou sucumbem a pressões e lobbies diversos. Nessas situações, o propósito e a visão de futuro da organização deixam de ser referências institucionais firmes, seja por terem sido concebidos com demasiada amplitude desde a origem ou por sofrerem numerosos desvios e distorções ao longo do tempo. Isso abre espaço para que projetos de grupos de poder ganhem prioridade, mesmo quando alternativas mais virtuosas permanecem na "fila de espera".
Conclusão
Em um mundo onde os recursos são escassos e decisões estratégicas podem definir o sucesso ou fracasso de uma organização, a estratégia coração de mãe representa um risco silencioso. Sem critérios claros e robustos, acabamos acolhendo propostas que, embora bem-intencionadas, desviam o foco das verdadeiras prioridades. É essencial desenvolver a capacidade de dizer “não” e alinhar os projetos com objetivos estratégicos firmes. Se você se identifica com esse desafio e busca maneiras de superá-lo, vale a pena explorar abordagens mais estruturadas e eficazes, a fim de transformar o seu planejamento em uma ferramenta de verdadeiro sucesso.
Trabalhei em uma grande empresa onde essa questão era enfrentada, embora não com esse nome. Para evitar o problema, nos colocaram para trabalhar com diferentes modelos. Lembro agora da matriz do Ansoff, do método OKR e do mapa estratégico. Nem sei se isso ainda vale, mas o fato é que era muita teoria e havia muitos conflitos de interesses internos. Era e acho que segue sendo difícil mitigar o risco do seu “coração de mãe”. Legal o artigo, mas espero mais sobre o tema. Fiquei curioso.