Neste artigo, trato do processo eleitoral em nossa democracia, abordando a formulação dos discursos de campanha, de modo a conquistar o eleitor, ainda que as propostas apresentadas sejam muito vagas e até irrealizáveis.
Aqui, trato também do enorme desafio enfrentado pelos então eleitos, que precisam encaixar as promessas feitas em uma realidade quase sempre indócil com as esperanças estimuladas pela propaganda eleitoral.
Por fim, apresento o papel do pensamento político-estratégico no enfrentamento desse desafio.
Propostas parecidas
Toda eleição é sempre a mesma coisa. Os candidatos costumam propor: “mais saúde”, “mais educação”, “mais segurança”... Assim, podemos reconhecer uma lista compartilhada pela quase totalidade dos postulantes, ainda que existam diferenças ideológicas entre eles e que as eleições sejam para cargos distintos e em diferentes esferas do poder público.
A comunhão que acabei de mencionar não se produz ao acaso. Ela tem a ver com a tese da representatividade democrática, com as necessidades prioritárias dos eleitores e, ainda, com os diagnósticos mais ou menos técnicos acerca das demandas da sociedade. Consequentemente, podem ocorrer variações nas ênfases de um ou outro item dessa lista comum, conforme as circunstâncias se modifiquem ou que os perfis ideológicos das campanhas tenham menor afinidade entre si. Entretanto, enfatizo que pode-se variar na "carga de tinta", mas dificilmente os itens da lista de cada candidato não serão os mesmos.
A busca do seu voto – e, às vezes, é só isso o que importa!
As propostas de campanha costumam ser intencionalmente genéricas e pouco esclarecedoras quanto às suas prioridades e viabilidades. Isso permite alcançar a atenção do maior número de eleitores, ao mesmo tempo em que se tenta diminuir a rejeição ao discurso de campanha. Propostas desse tipo se aproximam das estratégias coração de mãe, onde tudo que seja benéfico para o cidadão pode ser incluído no discurso, desde que isso ajude no êxito eleitoral. Infelizmente, essa abordagem pode resultar em algo como o “me engana que eu gosto”.
Como se fossem meras peças de propaganda, muitas das propostas de campanha tentam “vender” a esperança de que as “coisas” ficarão melhores. Aliás, acabamos de passar por uma eleição e, sem muita chance de erro, estou certo de que as suas experiências podem confirmar razoavelmente a minha percepção. Se você tiver curiosidade, uma rápida pesquisa no site do TSE pode revelar o quanto as promessas dos candidatos a prefeito nas últimas eleições tendem a corresponder a essa avaliação.
Além da exposição de propostas genéricas, e também durante as campanhas, busca-se sustentar a esperança na satisfação dos eleitores com a ênfase nas imagens virtuosas dos candidatos. Isso, ao mesmo tempo em que muitos depreciam os seus adversários. Nesse sentido, a meta seria um “voto de confiança” nos candidatos acerca dos quais:
- Se tenha maior convergência ideológica ou afinidade emocional.
- Haja maior reconhecimento de competências ou de êxitos passados.
- Existam maiores coincidências de interesses pessoais ou comunitários.
Como nem tudo é perfeito, em alguns casos restam as opostas no “menos pior”. Isso ocorre especialmente com o eleitor que não se sente representado por vários motivos ou com aquele eleitor mais crítico, exigente e verdadeiramente orientado pelas necessidades da sociedade. Seja como for, o fato é que o voto e o não voto definem os representantes do povo.
O sucesso eleitoral implica outra perspectiva
Após a votação, os eleitos mudam de papel. Eles passam a ter responsabilidades quanto ao cumprimento das suas promessas, muitas das quais constituíam meros esboços “até ontem”. Aqui, trato tanto dos cargos no Executivo quanto no Legislativo. Felizmente para muitos políticos, parte significativa dos eleitores tem preferências cristalizadas em determinadas lideranças. Nesse caso, se o eleito deixar de cumprir A ou B, esse fato tenderá a ser justificado ou racionalizado de algum modo.
Além desses eleitores, há também aqueles que costumam perder a memória ou entrar em hibernação após as eleições, seja porque “têm mais o que fazer”, seja porque pouco compreendem o papel dos nossos representantes ou, ainda, porque simplesmente não visualizam o impacto das eleições no seu cotidiano. Em tese, alguns políticos se aproveitam dessa situação, tanto que a expressão 'estelionato eleitoral' é bastante comum nos dias de hoje.
Indo além dos casos anteriores, convém considerar que os eleitos também viram “vidraça” para outra parte importante do eleitorado e que costuma acompanhar e cobrar resultados. Essa parcela vem notadamente crescendo com o maior acesso às plataformas das redes sociais e às “memórias” digitais. Para o eleito, a coisa se complica nesse ponto e, consequentemente, a conquista de melhores índices de aprovação passa a ser um grande desafio. Em especial, esse entendimento é válido para os políticos com ambições envolvendo pleitos futuros. Diga-se de passagem, é de se chamar a atenção o esfoço de muitos políticos de má reputação, no qual se busca uma regulação ainda maior das redes sociais. Não acha?
Depois da eleição, a difícil gestão
O político comprometido com a realização das suas propostas possivelmente teve os pés no chão durante o período eleitoral, o que não deixa de ser um facilitador. Não obstante, e com base nos acompanhamentos que realizamos, enumero oito desafios que incidem especial e normalmente sobre os mandatários em cargos no Executivo. São eles:
- Insuficiência de recursos de toda ordem, incluindo: tempo para planejar e executar; estrutura física de execução; orçamento (normalmente comprometido ou até deficitário); pessoal qualificado e entrosado para conceber e executar projetos com efetividade.
- Combate aos desvios, promoção de ganhos de efetividade e respeito aos princípios constitucionais da administração pública.
- Composição de uma relação minimamente sinérgica e virtuosa entre os poderes Executivo e Legislativo, o que exige muita negociação.
- Liderança sobre equipes heterogêneas, bem como para enfrentar situações críticas e até inesperadas.
- Seleção de assessores comprometidos e competentes para os cargos de confiança.
- Promoção de um ambiente institucional saudável e imune a pressões corporativas internas e deletérias.
- Convivência com diferentes grupos de pressão, que tendem a buscar vantagens setoriais em detrimento do interesse maior da sociedade. Aqui, podemos até tangenciar a ideia de oligarquia.
- Apresentação de resultados mínimos e que se enquadrem na tolerância dos eleitores ante eventuais frustrações de metas. Esforços na área de comunicação são especialmente importantes nesse sentido.
A política e a estratégia
Felizmente, há muitas exceções à percepção geral e ruim acerca da classe política e das estruturas e dinâmicas partidárias. De fato, há bons políticos que conseguem lidar com o seu oceano de dificuldades e que alcançam resultados efetivos para a população. Nesse contexto, também estou certo de que o leitor poderá citar nomes como exemplos. Seja como for, o sucesso de muitos mandatos certamente não ocorre sem motivo.
Seguindo o desenho básico de um bom planejamento, o primeiro recurso do político virtuoso é contar com um diagnóstico suficientemente amplo e preciso dos ambientes interno e externo da entidade em que exercerá o seu mandato. Em sequência, vem o delineamento claro e realista do que se pretende e é possível fazer, segundo o farol dos bons valores e princípios. Passa-se então à definição da estratégia, a qual já tive a chance de tratar em outro artigo e que, aliás, é bem mais difícil que a estratégia em um jogo de xadrez. Na boa estratégia, o mandatário aplica os seus recursos do modo mais efetivo possível. Isso se concretiza normalmente na implementação de programas e projetos.
A propósito, ainda bem que temos muitos exemplos concretos e positivos de gestão e de desempenhos éticos e profícuos ao longo de diferentes mandatos. Isso ajuda na compreensão de que não estamos tratando de simples teses, mas de quadros configuráveis de fato. Certamente, a promoção de uma realidade assim passa pela maturidade política da nossa sociedade.
Conclusão
O processo eleitoral é um dos pilares de qualquer democracia. Apesar de suas imperfeições, ele permite que os eleitores escolham seus representantes e define o rumo que a sociedade tomará nos anos seguintes. Assim, o caminho continua após a apuração dos vitoriosos. Os eleitos precisam enfrentar uma realidade complexa e cheia de limitações, onde as promessas de campanha, muitas vezes genéricas, encontram a barreira da inviabilidade.
Nesse contexto, o papel do planejamento estratégico é fundamental. Políticos que conseguem transitar entre o discurso de campanha e a gestão pública de forma eficiente geralmente são aqueles que adotam uma abordagem estratégica, com diagnósticos precisos e uma execução firme. Eles compreendem que a governança não é um jogo de promessas vazias, mas uma arena onde decisões complexas precisam ser tomadas para entregar resultados concretos à população.
O eleitor, por sua vez, também tem um papel importante a desempenhar. Avaliar criticamente as propostas, cobrar resultados e participar ativamente do processo político são atitudes que fortalecem a democracia. Assim, o caminho para um sistema político mais eficiente passa tanto pelas escolhas que fazemos nas urnas quanto pelo engajamento contínuo com os desafios que surgem após as eleições. Afinal, a política é muito mais que um jogo de promessas; ela é, em essência, a gestão das esperanças e expectativas de toda uma sociedade.
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Parabéns, Cel. Sergio!
Falou e disse tudo (de forma sucinta e compreensível) sobre o processo eleitoral, as gestões dos ganhadores, as “decepções” dos eleitores e as justificativas/omissões dos eleitos.
O Brasil precisa melhorar muito…